domingo, 25 de março de 2012

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Ela se aninhava ao cobertor puído - em outros tempos, capa da invisibilidade que a resguardava dos diversos tipos de monstros cujo hábitat era o selvagem ambiente embaixo da cama - como se ali estivesse um pedaço da própria alma tecido em pano xadrez. Grossas gotas se misturavam ao chão lá fora, embora corressem melhor nos olhos dela tamanha a atenção com que as observavam. Cheiro de infância, molhado, quente. Lembrava do pai dizendo que aquilo era poeira subindo e pairando no ar, o que causava muito mal à respiração. A ela, ao contrário, não causava mal nenhum - aquele aroma, fosse feito de poeira ou de água, era sempre bem-vindo. Remédios remediavam conforme suas bulas, mas só os plocs resfolegantes e uma xícara de café eram capazes de lhe trazer redenção, ainda que a mente vagasse em surdina, desfocalizando o entorno do mundo e os pingos descendo do céu. A simplicidade (sim, embebida até mesmo em cada gota da xícara de café) é sabidamente a cura de todos os males e sutura feita por todos os bens. Por isso, olhando o extenso vazio esbranquiçado que talvez cobrisse o mundo todo por fora e por dentro, ela entendia que só podia contar com a chuva, conversando em silêncio com Deus sem saber se agradecia ou reclamava pelo homem ter inventado o vidro de sua janela.

domingo, 18 de março de 2012


Enfim, feliz.
E ponto final.
Passei tanto tempo com esse findar entalado na garganta que só de espera foram feitas minhas linhas, quando não espera, desencontros, quando não desencontros, fracassos, e quando nem isso, só a ausência crua e sem desculpas. "Enfim, feliz" - regra geral dos finais feitos, é também a exceção dos contextos em que estive até então. Se sobravam palavras quando alguém fazia falta, faltava a história que eu tanto queria construir, aquela que viria depois do depois de outro tropeço. E eis quem vos escreve, agora com conhecimento de causa, pra avisar que 'depois do depois' não há nada; "Enfim, feliz" é o "Era uma vez" do mau poeta, que, por só ter olhos - ou seria voz? - para a dor, sabe que a felicidade começa e reside no branco da folha, subentendida no que se deixa de contar.
E como eu queria contar. Queria não ter extorquido tanto meu vocabulário de pieguices, pra ser ridícula tendo razão ao menos em uma das várias vezes que o fui. "As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas" *... e eu? Ridícula, antes, por não ter amor nenhum e escrever como se tivesse. Ridícula, agora, por ter o mais bonito e não saber escrever como tal. No fundo, disfarço a mediocridade disso que não consigo fazer convencendo a mim mesma sobre o apego do ser humano ao que lhe faz mal, a despeito do descaso com o que lhe faz bem. Mas eu me importo, sim e claro, com essa felicidade que pretendo conservar por tempo indeterminado, de tal forma que preciso (re)aprender o que antes era tão natural ao meu feitio... serei novamente apresentada à caneta e ao papel, para (re)adquirir o costume de não  permitir que a vida passe sem a isso oferecer salvas impressas, ensaiando aqui as novas palavras de sempre. Ridiculamente principiante, ridiculamente verde. Ao tempo certo, suficiente para a prática fazer efeito, ridiculamente capaz de amar e continuar a história de onde ela não deve parar.
Enfim, feliz.


* Todas as cartas de amor são ridículas, Poesias de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)