Ainda dizem por aí que a morte é a única
certeza da vida, mas ela era uma pessoa de sorte - tinha duas. A morte, do
alto de sua respeitosa idade, era mais certa que nunca; por outro lado, segunda
coisa da qual ela não tinha a menor dúvida era o domingo. Sua existência era
contada por intervalos de tempo que compreendiam 7 dias exatos. Começava num
domingo e de novo a cada outro. Por isso, além da morte, sua certeza era
a alegria que prometia renascer em seu coração na próxima semana.
Domingo era o dia de visitas. Foi criado com a intenção de
reservar momentos para que as famílias voltassem a vê-los, jogar conversa fora e
saber se tudo estava indo bem por lá. Às vezes, até faziam frango no almoço.
Haveria mais que 20 e poucas pessoas convivendo com a solidão. Mas domingo
raramente era um dia em que o abrigo se tornava muito mais movimentado. Vez ou
outra, aparecia alguém disposto a fazer uma boa ação, trocava duas, três
palavras com quem estivesse sentado na varanda, circulava pelo lugar, consultava
o relógio, contava 15 minutos passados e via que já era tarde. Em alguns desses
domingos, ela tinha a sorte de se sentar sempre no mesmo banquinho perto das
flores, caminho daquele que entrasse no varandão. Faziam as perguntas de sempre
– “há quanto tempo a senhora está aqui?”, “gosta de morar no abrigo?” – e, por
fim, a que ela mais gostava de responder. “E a sua família, vó?”
Tinha, sim. Era o filho único (moço bonito, ela dizia), religioso
que se tornara pastor, querido pelos fiéis, muito mais que querido pela mãe. No
dia em que ela pisou ali pela primeira vez, ele a apresentou à tal casa de repouso com tamanha distinção na
voz que a encheu de orgulho por estar em um ambiente assim tão chique. Explicou
que domingo era o dia de visitas e ele voltaria pra vê-la. “Por isso eu estou
sentada aqui, moço”. Porque seu filho prometeu visitá-la há mais de 2 anos e
era domingo.
Passava a manhã ali, reclusa em sua ponta de banco. A tarde
chegava, fazia companhia a seu silêncio e ia embora. Há quem pense que sua paciência
desfaleceria cedo ou tarde junto com a cor do céu, mas a verdade é que os
tantos domingos que cabiam em 2 anos não foram suficientes pra tirar sequer o
sorriso de seus lábios. Ela não contava o tempo em anos – ela contava o tempo
de 7 em 7 dias. Domingo era dia de visitas, e ela ficava cheia de vida. De que
importa se demorasse 6 dias até que o sétimo fosse a oportunidade de seu filho
vir lhe ver? Não, ela não tinha somente duas certezas. Ela tinha três. Ele viria.
Perto do Natal daquele ano, algumas pessoas que a notaram sentada
perto das flores e ouviram dela a história do filho quiseram por sorte esbarrar
com ele por aí. De fato, uma delas chegou a encontrá-lo na rua de sua igreja,
talvez indo pra casa depois de uma bela pregação. Apesar de todos os protestos
despejados, as acusações e a dura repreensão que sofreu, ele respondeu fazendo
uma simples pergunta – “E o problema é seu?”. Não era. Não é problema de
ninguém. Não é problema nosso, nem da pessoa que tentou resolvê-lo confrontando
o tão aguardado filho na rua, o qual, por 2 anos, também não teve problema
nenhum. O problema está no sentido que damos às coisas. É usar o nome casa de repouso como bom eufemismo nas
conversas, quando a maioria dos que lá estão não repousam, mas foram sim descartados.
É falar do tal amor ao próximo, amor à vida, amor próprio, amor
platônico e tantas outras variações, quando na realidade o amor, pura e simplesmente tal como ele é, foi esquecido até com os
que estão bem perto.
No domingo daquela semana, souberam que o filho dela foi vê-la. A
pessoa que o encontrara deixou claro que seus fiéis tomariam conhecimento do
problema que, da mesma forma, não era deles, antes de virar as costas e não
perder mais do seu tempo discutindo com quem lhe dava pouca ou nenhuma atenção.
Ele foi recebido como se, ao invés de 2 anos, tivessem se passado 7 dias desde quando a deixou sentada no baquinho da varanda.
A idade avançada não lhe permitiu que chegasse ao Natal daquele
ano. E depois de ter constatado a segunda e a terceira certeza de sua vida, a
primeira se fez valer poucos dias depois que recebeu seu presente.